(André)
Ainda não me tinha habituado
a dormir sozinho confesso, passei anos assim mas passei durante mês e meio a
dormir ao lado do David e parece que ainda hoje o sinto perto de mim. E sentir
aquela mão a tocar-me era estranha, conhecia muito bem aquele toque há precisamente
19 anos, era da minha... Namorada. Não, não podia ser. Era um sonho! Até que
senti um pontapé na minha barriga, o David é super-irrequieto a dormir, mas
aquele pontapé não era um sonho, dói-me a barriga e os sonhos não são tão
realistas. Quis tornar consciência da realidade, afastei aquele pequenino pé e
confirmava-se, era o David que estava ali. Mas quando eu tinha adormecido ele
não estava ali e não podia ter sido a Ana a trazê-lo, ela veio comigo no avião
e embora eu não saiba as horas tenho a certeza que não teve tempo de ir
buscá-lo e deitá-lo ao meu lado. Peguei na mão que estava sobre o meu corpo e
coloquei a minha sobre ela e pude sentir que não era um sonho. Abri os olhos.
Era a Rita e o David. Sorri,
eles estavam ali ao pé de mim e não precisava de nada mais. Dei um pequeno
toque ao David e um beijinho na testa. Aqueles caracoliquinhos divertidos
tinham-lhe pregado uma partida, estava mesmo um no meio da sua testa, eu
afastei-o e dei um beijo. Sussurrei:
-Bom dia filhote! – Disse
ainda com a voz rouca. Ele coçou o olho e abriu-o embora devagarinho e sorriu.
-Pápá Gomas. – Disse apertando os braços ao meu pescoço. –Táx bem? Ontem tavax no chão a choa, eu vi!
A mãmã também choou, mas não che magoou como tu!
-Fiz um dói-dói mas estou bem, logo tenho de ir ao
médico, mas já só doi um bocadinho. – Sorri,
na realidade doi-a bastante mas não lhe ia dizer para não o deixar preocupado.
– A mãmã chorou preocupada... Comigo?
-Chim. Ela dixe depoix de te ve a choa que quia vota
paqui! Queles que a acode e pegunte?
-Não, deixa a mãmã descansar. Depois ela acorda – Tocaram á campainha. – Vou abrir a porta mas preciso que fiques aqui a toma conta da mãmã mas
não faças barulho, deixa-a dormir, eu já volto! Não a deixes sair do quarto!
-Tá bem! – Fui
até á porta e era a Ana.
-Bom dia! –Disse a minha “priminha”– Como estás? – Perguntou.
-Estou a recuperar, ontem foi bem pior. Obrigado – Confessei. – Vieste por algum motivo em especial Ana? – Perguntei
direto.
-Vim buscar o David, para passar o dia comigo... E com o Eduardo.. – Respondeu,
bem esta não contava. O David não gostou do Salvio e estava reticente em
deixá-lo ir, ia com a prima e eu não sou o pai, mas sou em parte responsável
por ele.
-Não sei se será boa ideia... – Disse e não me deixaram acabar a frase.
-A Ana sabe o que faz e o Salvio é boa pessoa, confio
neles e se for preciso estamos aqui em casa. – Aquela voz... Era da Rita. Tinha saido do quarto e trazia
ao seu colo o menino.
-Deixa chó i busca os binquedos! – Disse o Dádá.
Acomodei-a no sofá da sala e
fui preparar algo para o nosso pequeno-almoço, para mim, para o David e para a
Rita. Depois do menino tomar banho e vestir-se, tomou o pequeno-almoço que
tinha preparado e despediu-se de mim e da mãe e foi entretido com ela. Fiquei
sozinho em casa com a Rita. Já tinhamos tomado o pequeno-almoço e arrumavamos a
cozinha, durante a refeição não trocamos uma palavra. Até que decidi arriscar:
-Rita. – Ela olhou-me e pela primeira vez naquele dia trocamos
olhares.
-André. – Olhou
para mim e eu vi o arrependimento no seu olhar. Não sabia o que dizer. – Desculpa-me. – Baixou o rosto.
-Anda cá, pequenina. – Estiquei os meus braços para ela me poder
abraçar. Ela levantou-se e obedeceu-me. Senti-me reconfortado, sentia-me feliz
como nunca naquele mês e meio, senti-me genuinamente feliz e bem, arriscava-me
a dizer completo. –Podes chorar se
quiseres, vai-te fazer bem deitares cá para fora todos os teus sentimentos e
quando estiveres pronta falas. E se te custar menos fala comigo enquanto teu
melhor amigo e não enquanto teu namorado. – Ela abraçou-me mais fortemente
e não me respondeu. As suas mãos estavam nas minhas costas e as minhas nas
dela. Peguei-lhe ao colo e levei-a até ao quarto. Sentei-me na cama e encostei
as minhas costas ao móvel e estiquei as minhas pernas, ela aconchegou-se ao meu
peito e chorou, chorou. Era um choro que me deixava aflito, queria poder
ajudá-la mas sentia que se abrisse a boca, ela ficaria pior. Chorou bastante
até se acalmar, até parar com os soluços das lágrimas. Não lhe disse nada,
sabia que iria piorar a situação e ela acalmar-se-ia apenas a deitar cá para
chora tudo o que sentia.
-André. – Olhei para ela, mas ela não teve coragem para me olhar
também. – Nem sei por onde começar, as
palavras são tão poucas e o que tenho para te dizer é tanto. Tu és o meu melhor
amigo e eu vou contar-te a história do meu namorado, talvez assim seja mais
fácil para mim. – Sorri, talvez fosse mesmo mais fácil para ela e para mim.
–Eu conheço o André há dezanove anos e
somos melhores amigos desde sempre, ele é o meu melhor amigo como tu, tem o
mesmo nome e tudo devias conhecê-lo! – Sorrimos. Era incrível a forma como
ela lidava com a vida. – Mas depois de
eu ser mãe, ele veio para Lisboa lutar por uma carreira no futebol no Benfica,
e afastamo-nos. Demasiado tempo na verdade. E ouve um dia que ele apareceu cá
em casa por causa da minha prima e foi nesse dia do reencontro que vi que os
meus sentimentos tinham mudado, mas ainda não sabia ao certo para o quê. Demos
o primeiro beijo e apesar de ter sabido a pouco trouxe-me tantos sentimentos e
dúvidas para a minha cabeça! Ele despertou em mim sentimentos mais... De mulher
entendes? – Sorri. – Comecei a
reparar no seu porte físico, na sua beleza, no seu charme, na sua barba que me
picava mas derretia. Os sentimentos foram evoluindo e tornando claros na minha
cabeça, o que o meu coração sabia desde cedo. Não, desde criança, na realidade
nunca tinha pensado apaixonar-me por ele, mas desde que o revi. Desde o
primeiro olhar, amor que foi construído com o tempo e atitudes. Eu pedi um
tempo e espaço para pensar no que senti, e um dia ás três da manhã fui ter com
ele e declarei-me. Foi a primeira vez que fiz amor com ele e senti-me completa
a fazê-lo como nunca senti das outras vezes. No dia a seguir começamos a
namorar e eu fiquei nas nuvens. Foi um dos dias mais felizes da minha vida
quando começamos a namorar e a noite anterior foi inesquecível. Mas como a vida
não é como queremos, fui despedida. E uns dias depois eu tomei a decisão de voltar
para o norte. Ao inicio era só uma questão temporária, ia lutar pela custódia
do David, mas arranjei emprego e decidi ficar por lá. Quantas vezes pensei em
voltar e estar ao teu lado. – Pela primeira vez falava em mim enquanto
namorado e não enquanto melhor amigo. Era um discurso direto. – E quando te vi no chão, a chorar, magoado,
eu soube que não te queria, nem ia perder. O medo que eu tive de te perder, de
me sentir responsável por isso
mesmo, fez-me ter a certeza que queria voltar. Posso estar longe da minha
família, mas tenho-te a ti, á Ana e ao David. Sei que enquanto não arranjar
emprego, vocês me ajudam com o menino. Porque sei que é junto a vocês mas
precisamente de ti que eu e o David queremos estar. Compreendo que já não
querias ser meu namorado... – Não a deixei terminar a frase e coloquei um
dedo sobre os seus lábios e olhamo-nos. Não queria deixá-la terminar e quando
ela abria a boca para responder, eu calei-a. Beijei-a como se precisasse
daquele beijo para sobreviver. Foi um beijo calmo, com luxuria, com saudade,
deixamos demonstrar o mais puro dos sentimentos que nutríamos um pelo outro.
Separamos os nossos lábios e ficamos frente a frente, a milímetros, toquei com
o meu nariz no seu e os nossos olhares estavam próximos, “chocavam”.
-Não te quero perder por nada pequenina. Não voltes a dizer uma coisa
dessas por favor! – Pedi com suplica. – Tu quiseste optar, tu sentiste que tinhas de o fazer. O David é o teu
filho e no teu lugar eu teria feito o mesmo. – Vi um sorriso formar-se na
cara. – Mas esqueceste-te de algo
importante Rita, eu também sou teu amigo, o teu melhor amigo. Tu não
abandonaste o teu namorado, abandonaste um amigo. Estarei a teu lado em
qualquer altura, porque te amo. A ti e ao David. Amo-vos como se fossem minha
família de sangue e vocês são a minha família, é convosco que vou criar o meu
futuro e estou a criar o presente. Não te vou mentir e dizer que não me
magoaste nem desiludiste, porque o fizeste. – Ela ia desviar o olhar mas eu
coloquei as minhas mãos sobre a sua bochecha e fi-la olhar para mim. – Mas tu estás arrependida, eu sei, conheço-te,
vi no teu olhar e sinto. Sei que não o farás e agora estás aqui do meu lado, na
condição não só de amiga, como de namorada e me prometeste que não sairias de
junto de mim. E eu amo-te, a ti e ao Dádá, amo-o como filho, como se fosse meu,
eu ajudo a educá-lo, a mimá-lo, irei ajudar-te, se tu me deixares. Mas eu sinto
que não é isso, penso que já te provei que quero ser um padrasto e estar
presente na vida dele e na tua, sinto que não é isso que te incomoda, por favor
fala comigo. – Ela virou o olhar e olhou para o horizonte, depois olhou
para mim e sorriu. Confessou-me:
-Tenho medo. – Fez-se um silêncio que vinha com perguntas, ás quais
não tinha resposta.
-Medo. Mas medo de quê? – Podia ser medo de tanta coisa. Medo do que
sentia ou não por mim, medo do que eu sentia por ela. Tantos medos.
-Medo do que sinto por ti. É tão forte André, é tão...
Bom e incrível. Mas é isso mesmo que me assusta. – Disse baixando o olhar. – Cada vez preciso mais de ti para mim, para conseguir superar o meu dia
a dia, para sobreviver, para ser feliz. Não me chega só o David, eu preciso de
ti! Eu amo-te André. E tenho medo de estar totalmente dependente de ti e que um
dia a relação acabe e eu não saiba o que fazer e que o David pergunte por ti e
eu não saiba o que dizer, não saiba dizer que tu já não és mais o pápá Gomas.
Não sei se aguentaria isso. – Uma lágrima caiu-lhe pelo rosto. – Tenho medo que a nossa relação de amizade
acabe, que o nosso amor morra, tenho medo que o meu futuro não seja do teu
lado. – Nunca tinha ouvido uma dedicação de amor tão pura, tão genuína mas
tão improvisada. Foi dita com o coração e não havia pessoa que me conhecesse
melhor no mundo que ela. Deitei também duas lágrimas teimosas na minha face.
-Sinto o mesmo Rita. Eu nunca amei como te amo a ti e assusta-me, mas
farei tudo para nunca vos perder, para vos ter sempre ao meu lado. Nunca vos
irei perder, porque as relações de amor podem acabar mas as amizades,
verdadeiras como a nossa não. Será sempre minha amiga e farei tudo para seres
minha mulher e mãe dos meus filhos. Eu quero cuidar do David até aos meus
últimos dias. Vocês neste momento são a minha vida! – Nós os dois já só
choravamos a falar ou a ouvir o que se dizia.
Quando a Rita não consegue
traduzir em palavras o que sente, beija-me
ou abraça-me, consoante o que achar mais adequado para a altura e para o
sentimento que não sabia traduzir. E agora fê-lo, beijou-me. Foi um beijo como
o anterior, calmo mas sentido. Traduziu o que ela não conseguia dizer por
palavras e eu não sabia expressar. Aconcheguei-a nos meus braços depois daquele
beijo e deixamo-nos ficar ali durante bastante tempo, eu respirava Rita, sentia
o seu cheiro, o seu perfume, o seu toque, a sua presença, o seu sorriso e
lembrava-me de todas as memórias que tinha da nossa vida, desde a infância até
aos dias de hoje.
-André. – Hesitou. Tinha vergonha de perguntar alguma coisa, já a
conhecia. – Tu queres casar? – Falar
do futuro era andar um passo para a frente com ela. Sorri, de felicidade, ela
queria construir O NOSSO plano para o futuro.
-Quero! Casar-me contigo e só contigo, mas primeiro quero namorar muito.
-Eu quero construir o nosso plano para o futuro. Preciso
de saber o que queres também, preciso disso.
-Para mim não faz sentido casar-me pelo registo civil, se
é para casar que seja pela igreja. Mas estou disposto a mudar conforme for o
teu desejo porque não é a minha vida, é a nossa!
-Eu... Estou de acordo contigo. Sabes eu também tinha
planos para o futuro com o Miguel, antes e depois do David, mas tudo morreu e
era esse o medo que tinha contigo. – Confessou-me.
– Mas contigo, eu sinto que é diferente.
Está nos teus planos ser pai... Quer dizer depois do David é claro.
-Sim. Depois do David tenciono ser pai. Sempre pensei em
dois/três, mas depois do David tive a certeza que quero três. O David tomará
conta dos irmãos, um menino e uma menina. E tu? Está nos teus planos para o
nosso futuro?
-Sim. Quero ter mais dois, sei que dão trabalho e se for
como o David muito iremos sofrer! – Sorrimos.
– Mas sei que tenho o melhor pai para
eles! E o David toma conta da menina e do outro menino também! Quer dizer não
escolhemos, mas eu gostava que assim fosse.. E nomes? Eu gosto de Mariana e
Rafael, mas de tantos outros nomes.
Simão, não! Já tenho um cunhado com esse nome! E é o
segundo nome do nosso pequeno, e David já há um por isso estão fora de questão.
Também gosto de Catarina, mas sempre disse que se algum dia tivesse uma menina
o primeiro nome seria Ana, até para honrar a minha prima e homenagear a minha
avó. Meninos, só não quero ter um “André Júnior” cá por casa, isso não gosto...
-Ficaria uma confusão de nomes, estou de acordo! Mas
Júnior no nome também não é grande ideia. Gostas de Ana Beatriz? – Perguntei. – Podíamos
sempre tratá-la por Bia, e depois quando nos chateássemos usávamos os dois
nomes.
-Gosto muito! – Disse
ela sorrindo.
-Para menino: Rafael...
-Filipe! – Disse
ela. – É o teu segundo nome e
honrar-te-ia! – Sorri.
Falamos dos nossos planos
para o futuro, sempre juntos, falamos dos nossos medos, dos nossos pensamentos
e sentimentos. Foi bom, sentia que ela estava disposta a tentar o nosso futuro.
Não demos pelo tempo passar, e já era tempo de almoço. Pensei em preparar algo
rápido mas como a fome estava “negra”, precisava de repor forças. Por isso
preparei empadão de peixe, a Rita adora e eu sinto-me sempre bem servido. A
Ritinha recomendou-me ir ao médico, para ver o grau da sua lesão. Dei-lhe
ouvidos e fomos até ao Caixa Futebol Campus, fi-la acompanhar-me. E era o que
se suspeitava. Uma paragem entre duas e quatro semanas. Iria afastar-me da
equipa e dos planos do treinador, era difícil mais tarde regressar mas iria
lutar, desta vez tinha-a a ela e ao David do meu lado. Regressamos para casa e
começamos a namorar, a apreciar a boa companhia um do outro. Não sabiamos a que
horas regressava a Ana, o Salvio e o menino, mas ainda deviam demorar. Pelo
menos assim esperava.
Entre brincadeira, peguei-a
ao colo e levei-a até ao quarto, ela queria, tinha sido ela a sugerir-me irmos
até lá, gostava que ela se tivesse “solto” para mim, gostava daquele lado mais
provocatório dela, o seu lado mais á vontade enquanto namorada. Deitei-a e ela
escondeu-se sobre os lençóis e eu fiz-lhe companhia, a temperatura não era
agradável, era um mês de Fevereiro e era o mais certo para nenhum dos dois
ficar doente. Começamo-nos a beijar enquanto nos despíamos, sempre apaixonados
e cientes do que fazíamos, tínhamos morto saudades das nossas ternuras e
carinhos, mas também daqueles momentos mais “quentes”, iríamos matar saudades
dos nossos corpos unidos. Estávamos já em fase de preliminares, apenas em roupa
interior, o corpo dela estava sobre o colchão e eu conseguia admirá-lo, o
quanto eu gostava dele, daquele corpo, daquela menina com corpo de mulher. Do
quanto eu a queria só para mim, e por um momento ser egoísta e tê-la só para
mim. Estava a beijar-lhe o pescoço, preparando a minha última investida.
Tirar-lhe o soutien enquanto lhe beijava o rosto, ela tinha as mãos agarradas
ás minhas costas. Mas ouvimos a porta a abrir atrás de nós e uma voz reguila
dizer:
-Dê! – Exclamou admirado. – O
que táx a faze em cima da mãmã? – Tinha sido totalmente apanhado
desprevinido. Não contava e nem tinha pensado que tal aconteceria, em qualquer
pensamento. Não tinha sido por falta de preocupação e prevenção, até tinha
encostado a porta do quarto para evitar isso mesmo, mas aquele menino tem o dom
de surpreender.
A Ana e o Salvio apareceram
enquanto o menino olhava para nós e dizia o meu nome. Não sabiam o que fazer e
muito menos o que pensar, eles sabiam o que iamos fazer mas não esperavam
ver-nos assim. A Ana pediu “desculpa” com os lábios e eu continuava sem reação.
Senti as mãos da Rita me empurrar para o lado dela e assim fiquei, sentei-me e
deixei a manta cair, sendo visível o meu corpo enquanto a Rita tapava o peito.
-Vochês tão chem roupa? – Perguntou admirado. E nós não tinhamos
mesmo resposta para ele. Como explicava a uma criança de dois anos que a mãe e
o namorado iam fazer amor?
Como
será que se safam desta “trapalhada”?
Será que é desta que conseguem ser felizes? E iram realizar os seus
planos para o futuro?